quarta-feira, 25 de maio de 2011
Luzes
"Luzes da Floresta", autor desconhecido
Desencontros no consultório da esperança de que me curo:
Dora, que diferença na postura e no tão expedito vestir!
Apenas a voz melada, os olhos doces e o cabelo castanho escuro
Permanecem iguais; tudo o resto é novidade, fluxo, devir.
Pernas tão elegantes no toque do veludo azul que arrepiam,
Enlevam no transporte do andar, e se por minha culpa te zangas
Arrojo-me a teus pés, que nas sandálias cinzentas rodopiam
E vou derretendo devagar no calor negro dessa camisola sem mangas.
E que distante estás da menina que se sentava no chão da varanda,
Enquanto esperava, insondável, impenetrável e imutável a chamada
Para o baile! Hoje és a dama que conduz a corte, és quem comanda
O cortejo e és, oh senhora do ígneo parecer, por este bobo amada.
Quem tão bem cuida das aparências, certamente conseguiu
Derrotar a locubridão do vício, e escolheu por par a vida...
Apesar de distante, no bulício dessa tarde, alegre é quem viu
A beleza no corpo, na alma e na aparência que convida.
A aparição de tanto fulgor, luz e jóias é espectáculo sem demora
Que ofusca mais que mil e uma luzes do salão nobre onde se dança,
Pois breve é a vida e mais efémera ainda é a tua beleza, Dora.
Apenas posso desejar que, envolta em tanto brilho de mudança,
Jamais troques de par, e continues a dançar na vida que se comemora
Para que teu corpo tão atraente seja a aparência da renovada esperança.
09.12.2000
sábado, 21 de maio de 2011
Baco
Everdingen, "Bachus with Nymphs and Cupid", c. 1660
Sóbrio?
Sóbrio para quê?
Aqui e agora
Há apenas isto.
Vês nisto alguma maldita
Sobriedade?
Será que há,
Na primariedade
E na nossa animalidade
Alguma sobriedade?
Há apenas insinceridade
Temporalidade e vanidade.
Estamos, na verdade,
Todos bêbados.
Há, na nossa passagem
Algo genuíno?
Ou haverá solidão
E a nossa triste,
E infelizmente condicionada,
Bestialidade?
1998
Cronos
Goya, "Saturno devorando a un hijo", (1819-1823)
O tempo passa...
O tempo vem,
O tempo vai!
O que fica,
Senão o ser
Que foi,
E o ser que
Está para vir.
O tempo
Não traz nada
Senão tempo...
Tudo o resto,
São meras e efémeras
Ilusões.
Não há,
Tudo foi,
E tudo será...
E nada ficará.
O tempo passou...
O tempo veio,
O tempo foi.
1998
Afrodite
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