quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Senhor da Guerra




















"Senhor da Guerra", desenho de Cláudia Ribeiro


A Sua voz é a do trovão
Com a doçura dum murmúrio
Afirma a verdade sem negação,
Desce em cascata um suave rio.

A Sua Palavra em rolo de papiro
Foi gravada na rocha e no coração.
Água que bebo, ar que respiro,
Fogo primordial, verbo, encarnação

O Senhor da guerra em Israel
Deu ao mundo o Príncipe da Paz
Saciou a fome na terra do leite e mel
Seu Filho, na cruz, venceu Satanás

E este soneto ao Senhor da guerra
Só fica completo se quem o ler levantar
A bandeira bem alto, o mastro hastear

E, sobretudo, servi-Lo, na terra
Para no Além poder gozar
Tudo o que Ele tem para dar.


25.11.2010

sábado, 13 de novembro de 2010

O Meu Nome













Imagem retirada do blogue "madialeva"



Muitas palavras tenho escrito
Neste local virtual, apenas
Conceitos no interior bonito
De alguém com prazeres e penas.

Dentre esses diferentes termos
Há um escrito vezes repetidas
Assim como há outros mais ermos
Que ficam como letras esquecidas.

Apenas a mágoa de escrever poesia
Com outro nome que não de família
Me leva a pensar como seria
Neste poema pôr o nome do dia-a-dia.


12.11.2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os Parasitas















Acusam-me de ter vivido à custa
Do trabalho e do nome de família.
Porém, apenas para viver à justa
Dá o salário repartido a cada dia.

Militante em partido, na democracia acredito,
Mas nunca alinhei em subornos nem prebendas.
Sei contudo que há quem dê o dito por não dito
E troque favores, empregos, vidas e prendas.

Amam crianças que dão corpo ao manifesto
Nas suas mansões os filhos não são visitas,
Mas apenas companheiros reconhecidos por gesto:
Eis, na minha opinião, os verdadeiros parasitas.


11.11.2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ser de Luz














Pudera algum dia entender
Porque defendo a virtude
Praticando o vício de ser
Não alvo, mas negritude.

Se conseguisse discernir
Qual o estranho mecanismo
Que de tal modo me leva a agir,
Então seria, não outro, mas eu mesmo.

Porque somos seres feitos de luz
Mas, na acção, dominados por trevas,
Pois a realidade material seduz
E não vemos o ideal entre as névoas.

Um dia, perante a eternidade,
Todos teremos a oportunidade
De praticar o defendido bem
Nesta terra, assim como no além.


22.05.2008

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Formação





















A formação decorre conforme previsto, na ordem
Os professores combinaram as matérias que iriam dar
A seu tempo, entre si, foram eliminando o acaso e o azar
Todos os pormenores foram tratados como convém.
«
Finalmente, chegou o dia, tudo correu como programado
Até mesmo os intervalos foram à hora marcada.
Só um pormenor bastante curioso e inesperado:
Trata-se de uma parede muito mal remediada.
«
Perguntei o porquê de obras com esse resultado mau;
Explicaram-me que em casa de ferreiro espeto de pau.
Pelo que me foi dado a entender, corrigir os defeitos
Da construção é uma tarefa que é causa sem efeitos.
«
19.10.2010

sábado, 18 de setembro de 2010

Verdade















«Procuro a verdade, pela qual nenhum homem jamais foi ferido» (Marco Aurélio)


Procurar um local e encontrá-lo
É permanecer nas suas imediações
A verdade exige preocupação e calo...
Ou saber dizê-la sem contemplações.

A verdade não fere ninguém
Mas, ao atingi-la já a esquecemos...
Ou foi ela a memória de alguém.
Mais que um facto, é o que vivemos.

Viver é partilhar a verdade, sentimentos
Que temos ao descobri-la...
É um processo e são eventos
É um momento e leva tempo a atingi-la.


18.09.2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Suposição
















Pensava eu cantar afinadinho
Quando nunca tinha tido oportunidade
De cantar para o Senhor um corinho;
Quando o pude cantar, experimentei a felicidade.

Sentia-me apaixonado e meu amor
Me amava, mas era tão estranho
Porque sentia prazer e dor;
Minh'alma vagueava num rio de estanho.

Encontrei (supus) alguém compartilhando
Mesmos ideais espirituais, amor eterno
Desde sempre procurado, para sempre partilhado;
Que sentimento poderia haver mais terno?

Porém, quem me seduz vive no mundo
E eu, seduzido, eis que no mesmo mundo vivo
Só agora compreendo que não pode ser imundo
Esse sentimento profano e verdadeiro que me tem cativo.


22.05.2008

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Os donos do trabalho


















Komintern

Os donos do trabalho
Tomaram conta das empresas
Jogam as cartas do baralho
Que escondem debaixo das mesas.

Tomaram conta das empresas
Sem escrúpulos apoderam-se
Dos lucros sem as despesas.
Ao trabalho concederam-se

São os donos do trabalho
A eles devemos o emprego
Mandam os donos pró caralho
E os trabalhadores pró sossego.


24.04.2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Encontro




















Leonardo da Vinci, "Vitruvius"


Queria ouvir, afinal ditei o assunto da conversa
Marcar o encontro, abrir a porta, esperar
Entrei com questões e fui examinado, fui falar
Perante o silêncio, parti sempre e vice-versa.

Porque tudo está determinado, tudo tem um plano
A origem está no sujeito que é apenas parte do todo.
Aprende-se com o erro, regularmente, ano após ano,
Vive-se, morre-se e o vórtice roda para o centro do rodo.

Leis inexoráveis que ultrapassam o entendimento
Apenas os acidentes naturais não são provocados
E estes podem ser previstos antes do momento,
Mas os danos, por desconhecidos, não são evitados.

Oh! Razão soberanamente iluminada,
Mentes que brilharam para a Humanidade
Hoje esquecida e são para o Homem nada.


11.06.2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

Coisas













Nadir Afonso, Cidades


Que importância têm para nós as coisas?
Haverá significado neste mundo material?
Todas as coisas estão no chão
Fui eu que as lancei, sem ser por mal
Partidas estão as louças, não fui eu não.

Ainda há aqueles que tudo fazem por dinheiro
E todos os que não se preocupam
Com o mal que fazem a si e aos outros.
Mas afinal haverá o que todos procuram?

Segurei os meus desejos presos dentro
De mim. Apodreci-os não os realizando.
Hoje, tenho a memória deste poema
E surpreende-me a incapacidade que enfrento
Sinto-me vagueando, perdido na arena.

Como alguma vez conseguirei a este conto
De fadas a que pertenço?
Príncipe de coisa nenhuma, rei sem trono,
Já está perdida a batalha que venço.


1993

domingo, 30 de maio de 2010

Mauritânia









«... De Mauritânia os monte e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu
Deixando à mão esquerda, que à direita
Não há certeza de outra, mas suspeita.»
(Camões, "Lusíadas", V, 4)



Haja civilização lusitana que deu o mundo a conhecer
Nestes nativos da república que se diz portuguesa.
Possa o povo que já possuiu as terras do amanhecer
Ter também o interior das muralhas da sua defesa.

Mauritânia de exóticos sabores e esquisitos costumes
Hoje vens ensinar os patrícios acerca da tradição
Pois o culto e a família foram suprimidos numa nação
Onde apenas os ricos e os poderosos ficam incólumes.

Cristãos que ofertavam com a direita e a esquerda
Aprendem agora com os árabes os princípios de higiene,
Num caldeirão de culturas onde a grande perda
É do individualismo perante o colectivo mais perene.

O que levou os portugueses a descobrir novos mundos
Foi a curiosidade, a sede de desvelar o desconhecido,
Que moveu vontades, propósitos, templários e fundos
Até partir para partes que sonha o homem adormecido.

Em duas metades dividimos a esfera terrestre:
Uma, onde habita a novidade, a aventura
A outra, velho continente, onde o saber é mestre.

Ambas existiam, desconhecidas e ignotas
Antes de serem homens a elas levados
Por secretos mapas e ocultas rotas.


22.05.2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Letras são tretas


















Libro d'Ore, usu di Roma, manoscritto

Parece fácil discorrer
Falando discursos
Ou simplesmente escrever
Sem grandes recursos

Mas por detrás das letras
Esconde-se um mundo
De ilusão e de tretas
Mas de verdade lá no fundo.

A colega acusa o poeta
De palavras inventar,
Quando o discurso penetra
O mais profundo pensar,

Tantas tricas, tantas tretas
São as de quem acusa
O verdadeiro homem de letras
E o genuíno saber recusa.


24.04.2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sombras















Capitéis na porta da Sé de Lisboa, lado esquerdo


À sombra, perto do lago onde os peixes vermelhos
Nadavam, procurando algumas migalhas ou insectos
Desprevenidos que servissem de lanche, os velhos
Gatos esperavam pardais, em idade menos provectos.

Até mesmo as palmeiras, com as suas bananas,
Participavam no ciclo do comer, alegre festim
Banquete de criaturas, homens e deusas dianas
Em que comer e ser comido é um acto sem fim.

Mesas e cadeiras, também elas, apreciando fazerem
Parte da criação, rejeitavam serem meras narrativas,
Mas apenas suporte da escrita original - não o ser em,
Mas sim o ser aí, apanágio da eternidade e das divas.

Eis a Natureza, que prossegue o seu caminho, louca
Na ebriedade simples da água, e sua eterna rival,
A Técnica, também ela numa exigência que coloca
A verdade como simples produção, na corrida do mal.

Oh! Mediador entre os animais e os deuses, ignara
É a tarefa do Homem: participar na infinita ceia
Ou alimentar de verdade a Técnica que o mata.

Mas, no imenso saber da criação ignorante de Geia,
Tudo tem explicação: o Homem é pasto da autómata
Técnica, que o sucede no topo da alimentar cadeia.


10.08.2000

domingo, 25 de abril de 2010

O Supra-Camões




















Camões, por Fernão Gomes

"... E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos."

Luís de Camões, Os Lusíadas, canto V, 17


Ó homem teórico, mergulhado em cálculos
Vives num mundo ilusório, torre de marfim
Quando quem executa, com vigores másculos
Conhece a razão da ordem, condu-la a um fim.

A maior injustiça, os piores erros na construção
Surgem quando os técnicos fechados nos gabinetes
Ignoram a voz da experiência e invertem a razão
Cuidando possuir autoridade: - vê lá com quem te metes!

Ó engenheiro, ó cientista, porque tens a teoria
Mas vives num mundo de mal-entendidos e falsidade,
Porque o timoneiro conhece a maré e a maresia
E tu não dás o valor devido à experiência e à idade.

Muito do saber que julgas dominar está subsumido,
Oculto em círculos onde nunca irás penetrar.
Não te esqueças que o dinheiro por ti presumido
É o resultado de muitos obreiros a trabalhar.

Olha bem o invisível, procura despertar a ordem
Ou serás rejeitado pelos padrões e o capital
De saber será como vás ilusões que se desvanecem.


24.04.2010





domingo, 21 de março de 2010

Arquitecta








A arquitecta fez os seus cálculos
E aprendeu a ciência da engenharia
Com os colegas, dominou com músculos
E com os homens, fez do sexo a sabedoria.

A princípio, provocou a surpresa
E o choque que para todos foi inicial
Tornou-se no escândalo duma empresa
Que é vendida para dar lugar ao ser angelical.

Mas o assunto não termina assim:
A história foi resolvida por outro arquitecto,
Mais importante, que acaba por ditar o fim
Solitário e isolado desse degenerado ser infecto.


20.03.2010

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sustenidos



















A maestrina conduz o coro
Todas as vozes se elevam na sala
Possuídos por um só fôlego, na ala
Os Sustenidos cantam com decoro

Grupo musical, artistas reunidos
Entoam cânticos profanos e espirituais
Celebra-se a distinção entre os demais
Somos únicos e muito bem definidos

Uma voz feminina dirige os Sustenidos
Durante todos os ensaios e no concerto
Subitamente, todos ficam esquecidos
Pela maestrina, que não mais está perto.


(dia da mulher)

quarta-feira, 3 de março de 2010

Redes sociais

















Tanta possibilidade de conviver
Nas novas redes sociais
Que às vezes se acaba por esquecer
O relacionamento entre iguais

Mulheres que se agarram à ilusão
De possuírem uma aliança
Quando chegam ao ponto em que não
Encontram um pai para a sua criança

Condição humana, vaidades
Múltiplas que são expostas
Em páginas de certas realidades
Fotos de caras bem-dispostas

Admirável mundo virtual
Onde todos se inventam,
Desapareceu todo o mal
Mas que gentes visitam?


12-12-2009

segunda-feira, 1 de março de 2010

Combater



















Fernando Botero, "A Ira"


Unidos pelo mesmo combate
Juntos venceremos, camarada
Contra a opressão que nos bate,
Nós temos a palavra disparada

Venceremos, mesmo que isso implique
Sermos chamados de loucos,
Pois temos quem nos indique
Que estamos juntos, mesmo poucos.

À oficial farda azul do poder
Instalado, respondemos a tinta
Negra pisada de dor e de saber
E continuamos a mesma massa indistinta

O Povo vencerá a opressão
Os homens camaradas permanecem
Entoando hinos de união
E todos os problemas se desvanecem.


23.09.2005

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Arte



















Oddments Room I,
foto de Jane e Luise Wilson


Oh Arte, ultrapassas o criador
Destituis todo o sentimento de razão
Ao mais puro prazer, retiras a dor
Deixa-me contemplar com emoção

Musas, que inspiram o poeta e o artista
Cuja morada é no mais alto cume do Olimpo
Aceitem estas palavras de conquista
Mesmo que distantes como núvens no céu limpo

A vida é breve, mas a arte perdura
As pessoas passam, mas quem se entrega
À partilha da amizade e no amor se segura
Permanece, mesmo na sociedade que o nega.

2009-09-11

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010




















Adão e Eva, foto de Nuno Freire.




"És pó e ao pó tornarás" (Génesis, 3:19)



Não sei qual a pior condição,
Se ser pó ou ao pó tornar:
Ser pó é ser nada, negação
Voltar significa ser o que se quer negar.

Ser pó é levar uma vida
Inteira a trabalhar para nada.
Mais grave do que apenas uma ida
É tornar depois de terminada a caminhada.

Deus diz a Adão: és pó
Mas com Adão estava Eva
Porque Adão não estava só
Pó é o que o homem da vida leva.



2009-11-27

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Pigmaleão






















Quando analiso a qualidade da minha vida
Verifico que, na minha solidão, podia ter mais
Condições, ter progredido na profissão numa subida
Constante para níveis mais altos e benefícios reais.

Encontrei na simplicidade um contentamento
E na condição do sentimento a satisfação
De ter o suficiente, de viver o momento
E na beleza da poesia transvazar a emoção.

Porém, lembraram-me que a cultura não alimenta
E que todo o trabalhador deve dar à empresa
Muito lucro e que tudo o dinheiro movimenta
Para trás ficou esquecido o bem, o amor e a beleza.

Fui confrontado com uma sociedade que se destina
A objectivos técnicos, cuja posse pertence a donos
Que deixaram de ser os mesmos e mudou a rotina,
Tendo afectado a todos, a quem perdeu sonhos e sonos.

Mas, neste trabalho de Prometeu, a interminável vigília
Apenas veio demonstrar a terrível ilusão, o efeito
Pigmaleão de ainda não ser eleito para pertencer uma família.




2010-01-30