domingo, 6 de fevereiro de 2011

Lethes


















De todas as dívidas que tive de pagar,
Apenas uma jamais poderei acarretar:
É aquela da malícia, cujo sorriso triste
Mas trocista tu, inacessível destino, cumpriste

Por apenas algum tempo, pouco e parco
Acedeste falar comigo. Foi como ir de barco
De mar em mar, e hoje só olho o Passado,
Como se tudo o que embarcou tivesse naufragado.

Ah! Pudera eu deixar de sofrer por este meu tesouro
Que jaz perdido nas profundezas. Até o Sol de ouro
Parece rir de mim, tão miserável; tivessem sido
Piratas, algo se salvaria, nem que tivesse falido.

Mas, pior do que a morte, mais triste que este atroz
Destino, é tudo o que tenho ser - areia, cal e pós,
Tributo em honra deste amor que não se deu,
E, mais que uma dívida, quem perdeu a troca fui eu.

Para quê tanta infelicidade? Ainda se poderia
Dizer que é melhor ter a ficar a dever,
Mas nem mesmo bom é perder quando se fia;

Tanto pior será gastar esta caravela para ver
Tanto desperdício, e tudo se afundar, a quem mais confia
Nas hordes das marés, e continuar a viver?


1998