domingo, 30 de maio de 2010

Mauritânia









«... De Mauritânia os monte e lugares,
Terra que Anteu num tempo possuiu
Deixando à mão esquerda, que à direita
Não há certeza de outra, mas suspeita.»
(Camões, "Lusíadas", V, 4)



Haja civilização lusitana que deu o mundo a conhecer
Nestes nativos da república que se diz portuguesa.
Possa o povo que já possuiu as terras do amanhecer
Ter também o interior das muralhas da sua defesa.

Mauritânia de exóticos sabores e esquisitos costumes
Hoje vens ensinar os patrícios acerca da tradição
Pois o culto e a família foram suprimidos numa nação
Onde apenas os ricos e os poderosos ficam incólumes.

Cristãos que ofertavam com a direita e a esquerda
Aprendem agora com os árabes os princípios de higiene,
Num caldeirão de culturas onde a grande perda
É do individualismo perante o colectivo mais perene.

O que levou os portugueses a descobrir novos mundos
Foi a curiosidade, a sede de desvelar o desconhecido,
Que moveu vontades, propósitos, templários e fundos
Até partir para partes que sonha o homem adormecido.

Em duas metades dividimos a esfera terrestre:
Uma, onde habita a novidade, a aventura
A outra, velho continente, onde o saber é mestre.

Ambas existiam, desconhecidas e ignotas
Antes de serem homens a elas levados
Por secretos mapas e ocultas rotas.


22.05.2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Letras são tretas


















Libro d'Ore, usu di Roma, manoscritto

Parece fácil discorrer
Falando discursos
Ou simplesmente escrever
Sem grandes recursos

Mas por detrás das letras
Esconde-se um mundo
De ilusão e de tretas
Mas de verdade lá no fundo.

A colega acusa o poeta
De palavras inventar,
Quando o discurso penetra
O mais profundo pensar,

Tantas tricas, tantas tretas
São as de quem acusa
O verdadeiro homem de letras
E o genuíno saber recusa.


24.04.2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sombras















Capitéis na porta da Sé de Lisboa, lado esquerdo


À sombra, perto do lago onde os peixes vermelhos
Nadavam, procurando algumas migalhas ou insectos
Desprevenidos que servissem de lanche, os velhos
Gatos esperavam pardais, em idade menos provectos.

Até mesmo as palmeiras, com as suas bananas,
Participavam no ciclo do comer, alegre festim
Banquete de criaturas, homens e deusas dianas
Em que comer e ser comido é um acto sem fim.

Mesas e cadeiras, também elas, apreciando fazerem
Parte da criação, rejeitavam serem meras narrativas,
Mas apenas suporte da escrita original - não o ser em,
Mas sim o ser aí, apanágio da eternidade e das divas.

Eis a Natureza, que prossegue o seu caminho, louca
Na ebriedade simples da água, e sua eterna rival,
A Técnica, também ela numa exigência que coloca
A verdade como simples produção, na corrida do mal.

Oh! Mediador entre os animais e os deuses, ignara
É a tarefa do Homem: participar na infinita ceia
Ou alimentar de verdade a Técnica que o mata.

Mas, no imenso saber da criação ignorante de Geia,
Tudo tem explicação: o Homem é pasto da autómata
Técnica, que o sucede no topo da alimentar cadeia.


10.08.2000