sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Depois


 











Adamastor, in "Os Lusíadas", Luís de Camões, Porto Editora, 1985


Quem em silêncio se presta a escutar

E impávido e sereno ouve isto e aquilo

Mantém-se dono do seu rosto e do olhar

E, no meio da tempestade é porto tranquilo


Esse que passou pelo cabo das tormentas

E acalentou o futuro no olhar duma criança

Soube solucionar o problema com ferramentas

E assim perante Adamastor chamou de Boa Esperança


Esse somos todos nós que agradecemos

Esta pátria amada, esta bandeira

E depois de ao inferno descermos

Temos paradisíacas paragens de brincadeira



15.04.2021


terça-feira, 20 de julho de 2021

Tempo Indeterminado

 

"Um Olhar...", OST 30 X 30, Jorge Sistelo

Tempo indeterminado, anos volvidos

Que parecem não ter passado

Amores perfeitos mas não resolvidos

Mais passa o tempo, maior o enfado


Esqueci de celebrar aniversários

Refugiei-me na presente obrigação

Sem memória do passado nem ligação

Aos entes queridos ou adversários.


Mas há sempre algo que permanece,

Um amor que não se esquece

Uma flor que não fenece

O ser amado que ainda aparece


Para lá da comparação,

Por detrás da aparência,

Sempre amado no coração

Por inércia ou indolência...


09.07.2021

sábado, 19 de junho de 2021

Esqueci

 

Perséfone, Rossetti


Definitivamente esquecido, força

Talvez duma pulsão subconsciente

O mais importante se reforça 

Na ignóbil falha do ser ciente.


Assunto suspenso na memória

Que, primando pela sua ausência

Torna, atrasado, à velha glória

Quando reemerge nessa valência.


Mas porquê de tanto me esqueci

Se pensando que vivia não vivi,

Por ser tão relevante adereço

Que, devendo decorar, esqueço?



16.06.2021


quarta-feira, 19 de maio de 2021

Eterno Retorno













"Aqua Moments fragmento II", JuTavares Belo


"Um abismo chama outro abismo" Sl. 42:7


O quotidiano deveria ser isento de banalidades

E todos os relacionamentos libertos

De acidentes mas não de liberdades

"Coitado daquele que acalenta desertos".


O que acentua o defeito de outra pessoa

É a pequena falha que persiste em mim

E a crítica que faço a outro em mim ecoa

E ressoa no espaço infinito da alma sem fim.


Muito haveria a discorrer acerca disto

Mas a rotina é apenas eterno retorno

E os sentimentos são de emoções um misto

Afinal, olho ao espelho o rosto que adorno.


04.05.2021



sábado, 1 de maio de 2021

Salto Tecnológico

 

Basto, Verena, 3º prémio no Concurso de Postais da Festa do "Avante" 2014


Das empresas que empregam mão de obra

Até aos bancos de dados e a revolução

Digital é um salto sobre o abismo onde sobra

Todo o homem afastado da solução.


Quem deveria defender dos trabalhadores

Seus direitos, está comodamente sentado,

Jamais no número de outros colaboradores,

No carreirismo até subir ao estrado.


Também o poeta vai digitando na folha de texto

O seu poema de futuro tecnológico

Na língua acordês, sem contexto

Nem papel, sem predicado lógico.


28.04.2021

sábado, 27 de março de 2021

Visão de Futuro

Praça da Bandeira, Minas Gerais, Brasil

Havia um tempo em que os serões

Acalentavam grandes conversas à lareira

Ou então no fresco terraço aos verões

Se passavam os anos em amena cavaqueira

 

Depois veio a televisão, jornais e os mais jovens

Aceleram a comunicação, novos meios de transporte

Os aviões, camiões, sem esquecer os telemóveis;

Ter tempo para estar em família é grande sorte.

 

A escassez económica e a avareza financeira

Proporcionam a clarividência do futuro:

Tal como hoje, ter menos dinheiro estando à beira

Do precipício, continuando cego no meio do escuro.

 

Paradoxal visão esta, que me deixa inquieto,

Inseguro e ansioso: para trás a comunidade

De vida identitária; mas para a frente o incerto

Destino da experiência acumulada no avançar da idade.


07.09.2020
 

segunda-feira, 1 de março de 2021

Emigração


 











"Descobertas", EGEAC



Demanda por outras terras e gentes

Numa viagem interminável que é a vida

Mantendo a personalidade em gestos coerentes

Em pátria alheia a mesma corrida.


Muitos optam por emigrar, alguns solitários,

Outros levando amigos, colegas, famílias,

Criando comunidades das suas origens,

Sempre por melhores salários e regalias.


Importante é permanecer em movimento,

Sem desistir de buscar encontrar a essência,

Mesmo que demore a vida inteira até esse momento.



08.09.2020



terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Máquina Parada

 

Amolador


Já para mais de mil vezes descobri esta solidão
Em que vivo, como se fosse um condenado;
Mas quando o sentimento descobria, a porta da prisão
Permanecia fechada e não era nunca libertado.
 
Porque a única preocupação de quem está preso
É fugir, essa é também apenas a ocupação
De quem nada mais pode fazer.
 
A máquina é apenas isso
Funciona porque está ligada
Acaba quando a avaria ou o enguiço
A reduzem a sucata, a nada.
 
Durante muito tempo a máquina
Que eu fui com afinco trabalhou
O tempo voltou sempre a página
A história desse passado terminou.


02.08.2013